Lívia Braz e Lúcio Flávio, da Agência Brasília I Edição: Débora Cronemberger
Um dos berços da arquitetura moderna, Brasília guarda seus encantos, segredos e magia. Ao olhar para o lado, o morador ou turista pode se deparar com marcos de outras culturas espalhados pelos locais mais diversos da capital. Todos concedidos por governos de outras nações e cada um com especificações, peculiaridades e significados históricos. São gentilezas diplomáticas dadas ao GDF que estão incorporadas à paisagem local, mas pouco conhecidas pela população e visitantes.
Quem poderia imaginar, por exemplo, que a guardiã do Palácio do Buriti, sede do governo do DF, não é um lobo-guará, mas… Uma loba. E não uma loba qualquer, mas romana, mãe de leite dos irmãos gêmeos Rômulo e Remo, símbolos da fundação de Roma, capital da Itália. Ou, como dizem no idioma original – o italiano –, a Lupa Capitolina.
A estátua de bronze fundido que chegou a Brasília, em 1960, em função da inauguração da cidade, é uma réplica da escultura em tamanho natural que se encontra no Museu Capitolino, em Roma. Em cima de uma coluna de granito, ela adorna os jardins do Palácio do Buriti, em frente ao Eixo Monumental.
Ainda no gramado, só que na lateral, é possível conferir uma escultura vazada em forma de obelisco do artista plástico Enio Iommi, um agrado do governo argentino. Do outro lado, na Praça do Buriti, obras dos governos de Cuba e da Nicarágua estão presentes em homenagens, respectivamente, aos líderes José Martí e Augusto César Sandino.
“É algo que a maioria da população desconhece”, observa Renata Zuquim, chefe do Escritório de Assuntos Internacionais do GDF, repartição responsável pela articulação e tratativas junto a governos de outros países. “Brasília, de fato, tem essa vocação internacional. Essa peça da Lupa Capitolina remete a uma lenda que representa a fundação da cidade de Roma, um presente dado a Brasília na época da inauguração da nossa cidade”, contextualiza.
Além da presença de uma loba romana no cerrado, há uma sereia perdida nas águas de Brasília, e não exatamente no Lago Paranoá. O ser mitológico dos mares do Báltico baseado num conto de amor do escritor Hans Christian Andersen (1805-1875) reluz, desde 1965, em sua forma fundida em bronze espelhado em frente ao prédio do Comando da Marinha, localizado na Esplanada.
Este foi outro presente cedido em 1960, desta vez pelo governo da Dinamarca, devido ao nascimento de Brasília. A peça, que pertencia ao acervo do colecionador de artes Carl Jacobsen (1842-1914), já ganhou várias réplicas espalhadas mundo afora e simboliza boas-vindas aos marinheiros. Marujos brasileiros que viajavam por aqueles lados congelantes da Escandinávia eram fascinados pelo monumento que até hoje chama atenção na orla do Parque Langelinie, na capital Copenhague.
“Brasília sempre recebeu muitos presentes das personalidades e autoridades que visitavam a cidade. Era uma capital jovem e fazia muito sentido uma lembrança para marcar encontros especiais”, conta o publicitário João Carlos Amador, autor da série de livros Histórias de Brasília.
“O interessante é que alguns presentes tinham o objetivo de fazer parte da paisagem da cidade de forma definitiva, como o monumento Solarius, vindo da França e que o autor queria que ficasse no Plano Piloto. Por determinação de Lucio Costa, ficou bem afastado da cidade. Outro exemplo é o relógio da Citizen, vindo do Japão, que acabou ficando em Taguatinga e dando nome à praça local mais famosa”, elenca o jovem entusiasta da história da capital.
Hermanos na tradição da fé católica
Uma Catedral não está completa se faltar… Os sinos! E os quatro daqui soam em espanhol. Feitas de bronze e suspensas num campanário de 20 metros de altura, as peças foram construídas em 1962 e presenteadas pelo governo da Espanha, por conta da inauguração do espaço sagrado, em 1971.
“Esses presentes representam a universalidade da igreja, demonstrando que existe uma fraternidade entre as nações”Padre Paulo Renato Pereira da Silva, pároco da Catedral
Em referência às caravelas de Cristóvão Colombo, que aportaram no novo continente no século XV, as três maiores campainhas de ferro foram nominadas Santa Maria, Pinta e Nina, referência as embarcações que descobriram as Américas. Uma quarta, a menor, tem o nome de Pilarica, homenagem a Nossa Senhora do Pilar, padroeira da Hispanidade, as comunidades formadas por todos os povos e nações que compartilha a língua e cultura espanhola.
“Esses presentes representam a universalidade da igreja, demonstrando que existe uma fraternidade entre as nações”, analisa o pároco da Catedral Metropolitana de Brasília, padre Paulo Renato Pereira da Silva. “Os sinos vieram da Espanha, que também manifesta a fé católica, que tem uma importância muito grande na América porque remete à tradição do evangélico que chegou aqui por meio das catequeses, dos jesuítas”, cita o religioso, lembrando as figuras de Anchieta e Dom Bosco.
Do lado de dentro do templo religioso, um dos símbolos da capital, uma réplica perfeita da Pietà, famosa escultura do artista italiano Michelangelo (1475-1565), emociona os fiéis. A obra, feita com mármore em pó e resina, data de 1499, mede 1,74 m e foi um presente do museu do Vaticano. Turistas de Pelotas (RS), o casal Guilherme e Thaís Ritter se encantou com a beleza translúcida dos vitrais e da história da Catedral de Brasília.
“É a primeira vez aqui em Brasília e tudo é novidade, desde a arquitetura a esse céu deslumbrante da cidade”, observa a advogada Thais, 35 anos. “Um dos locais que mais queríamos visitar era a Catedral, cheia de simbolismos e história, emocionante”, diz o empresário Guilherme Ritter, 42 anos, que, assim como a esposa, teve forte formação católica.
Jardins da diplomacia
Mais recentemente, em 2021, a embaixada da Índia presenteou o DF com o busto do líder religioso espiritual e ativista político, Mahatma Gandhi (1869-1948), que pode ser apreciado pelos usuários do Parque da Cidade, na altura do estacionamento 10. Já no Jardim Botânico de Brasília, conhecimento e diversidade se esparramam pela Alameda das Nações e dos Estados, numa mistura de culturas exemplificadas pela particularidade da flora local.
Até o momento, são quatro pequenos parques ornamentais que simbolizam a flora de países como Polônia, Espanha, além de outras cinco nações da América Central. Na Praça Israel, um jardim bíblico com representações, em belíssimos trabalhos em mosaico, de sete espécimes representativas das narrativas do Velho e Novo Testamento, como uva, figo, tâmara, trigo, cevada e olivas.
“A ideia dessa Alameda faz parte do conceito inicial do projeto do Jardim Botânico e, por ser Brasília uma representação de vários países, a ideia é justamente captar a essência da cultura desses países aqui numa relação que envolve a natureza”, explica o superintendente de Conservação do Jardim Botânico de Brasília (JBB), Elton Baia Lopes de Oliveira. “As parcerias são feitas com as embaixadas e são presentes diplomáticos. É muito importante esse espaço porque traz referências botânicas desses países”, afirma.
Para o embaixador da Costa Rica, Norman Lizano Ortiz, a parceria entre os cinco países representados pelo Jardim da América Central – Honduras, Nicarágua, Guatemala, El Salvador e Costa Rica – em homenagem ao bicentenário da independência dessas nações, permite que visitantes do espaço conheçam, de forma empírica, a flora e cultura de outras partes do mundo. “O Jardim Botânico é um dos espaços turísticos mais visitados de Brasília, então é uma oportunidade dos brasilienses e pessoas de outra parte do Brasil conhecer a flora do nosso país”, comenta.
Outros presentes
Solarius – O monumento abstrato Solarius, obra do artista plástico francês Ange Falchi, é uma homenagem do “governo e do povo da França à jovem capital brasileira”, pela coragem e espírito de aventura na construção da nova capital do país. A estátua de 16 metros de altura, feita de aço, ferro galvanizado com enchimento de lã de vidro e concreto, foi inaugurada em novembro de 1967 e fica às margens da BR-040, próximo a Santa Maria.
Praça do Relógio – Milhares de pessoas circulam pelo local e nem desconfiam que o obelisco e o relógio fincados na Praça Central de Taguatinga são presentes do Japão. Foi doado à cidade pela Citizen Watch Co., em dezembro de 1970, após visita do presidente internacional da empresa, Eiichi Yamada, à capital. O monumento tem quatro lados de concreto sustentado por uma torre de 15 metros de altura.
Arte Muralista de Israel – Dois trabalhos de arte realizados por artistas da cidade celebram, desde 2021, a relação de amizade entre Brasil e Israel. Na estação de metrô Galeria, por exemplo, no Setor Comercial Sul (SCS), o painel Fraternidade, criado pelo grafiteiro Rodolfo Madureira, o Caabure, conta a relação afetiva entre as duas nações a partir de figuras como a estrela de Davi e os ipês da capital. O mesmo sentimento de união entre os dois países é expressa pela dupla Nivaldo Nunes e Geovani Pedroso, em pintura realizada numa das paradas de ônibus da Galeria dos Estados.
Busto das Irmãs Mirabal – Símbolo da luta contra o feminicídio e a violência contra a mulher, o monumento Busto das Irmãs Mirabal foi inaugurado em novembro de 2021, na área externa da Embaixada da República Dominicana. O desenho da praça onde ficam as três peças é da arquiteta Laura Oviedo e as esculturas do artista René Guzmán, num conceito que une as cores da resina âmbar, da pedra nacional larimar e borboletas (La Mariposas), apelido carinhoso das Mirabal – Patrícia, Minerva e Maria Tereza –, assassinadas pelo regime de Rafael Leónidas Trujillo.
Estátua de Marie Curie – Localizado no estacionamento 11 do Parque da Cidade, a Praça das Mulheres deve ganhar, em breve, uma estátua da cientista polonesa naturalizada francesa Madame Marie Curie, pioneira nas pesquisas sobre radioatividade. O monumento de 2 metros de altura foi uma doação para o povo de Brasília, em 2017, do ex-embaixador polonês, André Braiter. Atualmente a peça se encontra na Residência Oficial de Águas Claras (Roac).